... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...
Em associação com Casa Pyndahýba Editora
Ano IV Número 47 - Novembro 2012

Crônica - Cesar Cruz


Meu pai faz reciclagem!

– Não joga no lixo que meu pai faz reciclagem!

Minha filha Michele, há alguns meses, ainda com 4 anos, saiu com essa pra cima da coitada de uma tia, que envergonhada interrompeu no ar a mão que ia largar no lixo uma garrafa PET de refrigerante.

Esses dias estávamos, a Martha e eu, falando a respeito de reciclagem. Ela que, solitária, separa o lixo de casa debaixo do desinteresse do filho adolescente e sob o olhar de esguelha do marido, meu amigo Vagner, que garante que “separar lixo pra reciclagem é dar dinheiro pra capitalista”.

A verdade é que ninguém gosta de mexer com lixo, nem mesmo falar dele. Lixo a gente quer é bem longe! De preferência fechado num saco duplo – pra não pingar chorume no chão da cozinha –, e que o caminhão passe logo e leve aqueles monstros pretos e azuis da frente da nossa casa para o raio que os parta – que preferimos nem saber onde fica.

Pra gente é assim.

Acontece que lixão só é charmoso em novela da Globo. Os aterros sanitários a céu aberto estão à beira de um colapso; são áreas imensas, inutilizadas para a ocupação humana, e que assim ficarão por muitos anos, graças à contaminação de seus solos.

O volume de lixo produzido só na capital paulista cresce cinco vezes mais rápido do que a população. Além da escassez de recursos naturais, urge a necessidade de reaproveitamento de materiais para atender à demanda dessa gente bronzeada, que não para de mostrar seu valor e de se reproduzir: 7 bilhões na última contagem. A coleta seletiva e a reciclagem, se não resolvem todo o problema, por enquanto são a melhor solução que temos.

Comecei a separar o lixo de casa em 1994, o que faz de mim o mais antigo reciclador que conheço. Tudo começou quando fui convidado a assistir a uma palestra e fiquei assustado ao ver surgir na tela uma montagem que punha lado a lado um prédio de cinco andares e uma pilha de lixo da mesma altura, de sei lá quantas mil toneladas. Era a representação do que a cidade de São Paulo, na época, gerava de lixo doméstico em um único dia.

Naquela mesma semana separei num saco meus primeiros recicláveis, e não parei mais. Nesses 18 anos, muita gente aderiu à causa por influência minha. Separar o lixo lá em casa é tão natural que me assusto quando flagro, na casa dos outros, a pessoa misturando papel limpo, uma caixa de leite vazia ou um pote de vidro a restos de comida. Custa passar uma água, deixar escorrendo num canto e depois colocar num saco à parte?

De certa forma custa sim. Eu entendo isso. Quando não se tem certo hábito, passar a tê-lo pede pequenas mudanças na nossa rotina, e só de pensar (tanta coisa que temos pra fazer!) nos dá uma preguiça danada. Mas é mesmo uma mera questão de costume. Para mim hoje é justamente o contrário: me dá uma preguiça enorme imaginar ter que enfiar todas aquelas coisas sólidas e pontudas, que costumo reciclar, dentro do delicado saco de lixo em meio a cascas de frutas, cotonetes e afins.

O Vagner, em certa medida, tem razão de pensar daquele jeito. Afinal, estamos cheios de ver os capitalistas transformarem toda e qualquer boa iniciativa social em dinheiro para encher seus próprios bolsos. Mas ao longo desses 18 anos, descobri que a maioria esmagadora das cooperativas de catadores e recicladores reverte 100% de seus lucros às famílias dos cooperados. Para o capitalista que apoia a iniciativa, sobra só a vantagem de associar sua marca a uma boa causa. O que não é pouco.

E amanhã, amigo, quando você for enfiar no meio do macarrão aquela revista da semana passada, certifique-se que a Michele não está por perto pra te repreender:

– Não joga no lixo que meu pai faz reciclagem!

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